Por J. R. B. Farias, A. L. Nepomuceno e N. Neumaier.

Na atual agricultura globalizada, incrementos nos rendimentos e redução dos custos e dos riscos de insucesso passaram a ser exigências básicas à competitividade. De todos os fatores inerentes à produção agrícola, o clima aparece como aquele de mais difícil controle e maior ação sobre a limitação às máximas produtividades.

Aliado a isto, a imprevisibilidade das variabilidades do clima confere à ocorrência de adversidades climáticas o principal fator de risco e de insucesso na exploração das principais culturas. Estresses abióticos como a seca, o excesso de chuvas, temperaturas muito altas ou baixas, baixa luminosidade, etc., podem reduzir significativamente rendimentos em lavouras e restringir os locais, as épocas e os solos onde espécies comercialmente importantes podem ser cultivadas. Dos elementos do clima, o que se apresenta como mais limitante e responsável por maiores prejuízos é a água.

Apesar do vasto conhecimento para o cultivo da soja, resultando em elevado grau de tecnificação da maioria das lavouras brasileiras, a disponibilidade hídrica durante a estação de crescimento constitui-se, ainda, na principal limitação à expressão do potencial de rendimento da cultura e na maior causa de variabilidade dos rendimentos de grãos observados de um ano para outro, principalmente, no sul do Brasil. Para exemplificar, somente na safra 2003/2004, deixou-se de colher nos estados do Paraná e Rio Grande do Sul cerca de 7 (sete) milhões de toneladas de soja. Na safra 2004/2005, este cenário foi ainda pior, com perdas de mais de 11,5 milhões de toneladas de soja devido à ocorrência de seca somente nos estados do PR e RS, o que representou mais de 80% das perdas totais de soja na última safra brasileira (Farias et al., 2005). As implicações são enormes uma vez que, não somente produtores, mas toda a sociedade é afetada.

A soja tem dois períodos críticos bem definidos com relação à falta de água: da semeadura à emergência e na floração - enchimento dos grãos. Na germinação, tanto o excesso como a falta de água são prejudiciais ao estabelecimento da cultura. Durante esse período, excessos hídricos são mais limitantes que déficits. A ocorrência de déficit hídrico durante o período de enchimento dos grãos é mais prejudicial do que durante a floração. Como o consumo de água pela cultura da soja depende, além do estádio de desenvolvimento, da demanda evaporativa da atmosfera, o seu valor absoluto pode variar, tanto em função das condições climáticas de cada região como em função do ano e da época de semeadura na mesma região climática. Para o sul do Brasil, Berlato et al. (1986) obtiveram valores médios de evapotranspiração máxima (ETm) ao redor de 6 mm/dia, sendo o menor consumo verificado no início do ciclo (2,7 mm/dia) e o maior ocorrendo do início da floração ao início do enchimento de grãos (7,5 mm/dia). Para todo o ciclo da cultura, foi obtida uma ETm de 827 mm.

Definindo áreas menos sujeitas a riscos de insucessos devido à ocorrência de adversidades climáticas, o zoneamento agroclimático constitui-se numa ferramenta de fundamental importância em várias atividades do setor agrícola. Envolvendo várias instituições (MAPA, EMBRAPA, UNICAMP, EPAGRI, IAPAR, ANEEL e INMET), o zoneamento agroclimático da cultura da soja procurou delimitar as áreas com maior aptidão climática para o desenvolvimento da cultura, visando a obtenção de maiores rendimentos e menores riscos. Foram definidas as áreas com maior ou menor probabilidade de ocorrência de déficit hídrico durante a fase mais crítica da cultura da soja (floração - enchimento de grãos), caracterizadas como favoráveis, intermediárias e desfavoráveis, em função das diferentes épocas de semeadura, das disponibilidades hídricas de cada região, do consumo de água nos diferentes estádios de desenvolvimento da cultura, do tipo de solo e do ciclo da cultivar.

Para tanto, foram usadas séries pluviométricas de várias estações por estado contendo, no mínimo, 20-25 anos de dados diários para cada local. Em todos os estados, foram feitas simulações para várias datas de semeadura (nove ou doze períodos de dez dias cada), as quais englobam os períodos recomendados pela pesquisa. Para a espacialização dos resultados, cada valor de ETr/ETm (Evapotranspiração Real/Máxima), observado durante a floração e o enchimento de grãos (período mais crítico ao déficit hídrico), foi associado à localização geográfica da respectiva estação pluviométrica, para posterior elaboração dos mapas, utilizando-se sistemas de informações geográficas. Para definição das áreas de maior ou menor probabilidade de ocorrência de déficit hídrico na fase mais crítica, foram estabelecidas três classes, de acordo com a relação ETr/ETm obtida: favorável (ETr/ETm ? 0,65); intermediária (0,65 > ETr/ETm > 0,55); e desfavorável (ETr/ETm ? 0,55), com freqüência mínima de ocorrência em 80% dos anos. Posteriormente, para cada estado em estudo, foram elaborados 54 ou 72 mapas decorrentes da combinação de nove ou doze períodos de semeadura, três tipos de solo (alta, média e baixa retenção de água) e duas cultivares (precoce e tardia). Posteriormente, foram incluídas, também, cultivares de ciclo médio.

Foram rodadas, ao todo, mais de 100.000 simulações, resultado da interação entre estações pluviométricas, cultivares, tipo de solo e datas de semeadura nos diferentes estados. Cada um dos mapas representa a combinação de um dos níveis de cada fator acima, isto é, cada mapa representa a classificação das diferentes áreas do estado para uma dada época de semeadura, em função do tipo de solo e da cultivar. Os resultados obtidos foram validados, comparando-se os índices obtidos com séries históricas de rendimento de grãos, área plantada e produção, por município, nos diferentes estados, obtendo-se elevada correlação entre os valores estimados e os observados a campo (Farias et al, 2001).

Nas Figuras 1 e 2 são apresentados os resultados das simulações para cultivar de ciclo precoce, solo de média retenção de água e nove épocas de semeadura, para os estados do Paraná e do Mato Grosso, respectivamente. As áreas favoráveis representam as regiões onde é menor o risco de ocorrência de déficit hídrico durante as fases mais críticas. As áreas desfavoráveis definem as regiões de alto risco de ocorrência de veranicos, durante as fases mais críticas da cultura da soja. As áreas intermediárias representam as regiões em que o risco é mediano, situando-se entre as duas anteriormente definidas.

Figura 1. Zoneamento agroclimático da cultura da soja, cultivar de ciclo precoce e solo de média retenção de água, para nove épocas de semeadura, no estado do Paraná. Fonte: José Renato B. Farias.

Figura 2. Zoneamento agroclimático da cultura da soja, cultivar de ciclo precoce e solo de média retenção de água, para nove épocas de semeadura, no estado do Mato Grosso. Fonte: José Renato B. Farias.

Regiões com melhores distribuição e volume pluviométrico, como o Mato Grosso, apresentam menor risco. Solos com baixa capacidade de armazenamento de água (CAD) apresentam-se, em geral, impróprios ao cultivo da soja na maioria das regiões, para os diferentes ciclos das cultivares e épocas de semeadura considerados. Observa-se, também, que cultivares tardias têm sua época de semeadura favorável, na maioria das regiões, mais cedo que as precoces. No entanto, é importante considerar que semeaduras muito cedo podem resultar em plantas muito baixas, aumentando as perdas na colheita. Apesar desse efeito ser mais drástico nas cultivares precoces, ocorre, também, nas tardias. Além disso, cultivares tardias semeadas muito cedo ficarão mais tempo expostas às condições de campo e, conseqüentemente, mais sujeitas ao ataque de pragas e doenças. Semeaduras muito tardias, também deixarão as plantas mais expostas ao ataque de pragas e doenças que migram das áreas semeadas antes e/ou já colhidas.

Os períodos favoráveis não indicam, necessariamente, os períodos de semeadura para obtenção dos maiores rendimentos de grãos, mas sim aqueles em que há menor probabilidade de perdas por ocorrência de déficit hídrico. Deve-se salientar, ainda, que se trata de um zoneamento de risco climático e não de aptidão. Desta forma, nem todos os municípios favoráveis são aptos ao cultivo da soja. Além da disponibilidade hídrica, outros fatores devem ser considerados para avaliar a viabilidade da exploração desta cultura com sucesso numa dada região. Por outro lado, muitas das áreas classificadas como intermediárias podem ser enquadradas como favoráveis, devido a práticas de manejo do solo e da cultura que permitem às plantas superarem curtos períodos de adversidade climática.

Os resultados dos trabalhos de zoneamento não são definitivos, sendo passíveis de mudanças e revisões com o passar do tempo. Deve-se deixar bem claro quais são os impedimentos das áreas de risco, marginais e inaptas, pois o desenvolvimento de novas cultivares ou a adoção de práticas de manejo do solo e/ou da cultura podem tornar possível o cultivo nessas áreas, permitindo às plantas tolerar curtos períodos de adversidade climática.

Referência Bibliográfica

BERLATO, M.A.; MATZENAUER, R.; BERGAMASCHI, H. Evapotranspiração máxima da soja relações com a evapotranspiração calculada pela equação de Penman, evaporação de tanque "classe A" e radiação solar global. Agronomia Sulriograndense, Porto Alegre, v.22, n.2, p.243-259, 1986.

FARIAS, J. R. B.; ASSAD, E.D.; ALMEIDA, I.R.; EVANGELISTA, B.A.; LAZZAROTTO, C.; NEUMAIER, N.; NEPOMUCENO, A.L. Caracterização de risco de déficit hídrico nas regiões produtoras de soja no Brasil. Revista Brasileira de Agrometeorologia, Santa Maria, v. 9, n. 3, p. 415-421, 2001.

FARIAS, J.R.B. Disponibilidade hídrica em solos arenosos: Estabelecimento de Déficit Hídrico em Culturas Dinâmica da água em regiões arenosas. In: Reunião de Pesquisa da Região Central do Brasil, 27, 2005. Cornélio Procópio, PR.  ATA. Londrina: Embrapa Soja, 2005. (Documentos / Embrapa Soja no. 265).

Mais Informações

Embrapa Soja: www.cnpso.embrapa.br
Agritempo: www.agritempo.gov.br
MAPA: www.agricultura.gov.br